Eu devia ter uns oito anos quando descobri que a grama do estádio podia ser casa. Ali, entre chuteiras e cantos de arquibancada, eu jurava que seria jogador de futebol. Treinei, driblei, chutei paredes de quintal até descascarem; colecionei cicatrizes, convocações para peladas de bairro e aquela esperança teimosa que só criança conhece.
Mas a bola, caprichosa como um meia habilidoso, às vezes faz o passe para onde a gente menos espera. Um “não” na peneira virou manchete de quarto vazio: “Sonho adiado”. Doeu. Só que recusar a paixão nunca foi opção. Troquei a chuteira pelo caderno, corri para o jornalismo esportivo, achando que bastaria escrever sobre o jogo para continuar perto dele. Descobri, porém, que minha alma ainda girava em torno do círculo central.
Foi então que a câmera apareceu – silenciosa, de lente atenta – e me ofereceu outro uniforme. Hoje, entro em campo carregando um kit de lentes no lugar da braçadeira, mas com o mesmo sangue pulsando alto. “Marco em cima” o personagem da foto, com o olhar corro atrás do instante irrepetível, faço tabelas entre luz e sombra e, quando aperto o disparador, marco meu gol num clique que eterniza o momento.
E o futebol, esse velho companheiro, retribuiu. A vida me deu credencial para estar ao lado de quem eu só conhecia de escutar o rádio.
Autoridade conquistada em campo
Essa entrega rendeu reconhecimento: seleção Top 10 da América pela AIPS (2023), Top 2 da América pela AIPS (2024), trabalhos selecionados em festivais e concursos de grande conceito e impacto como da Arfoc-SP, mas acima de tudo, a oportunidade de eternizar alguns dos maiores nomes de todos os tempos. Meu Top 3 de lendas fotografadas — e por quem assino imagens elogiadas por críticos e publicadas em livros — fala por si:
Coutinho, o gênio da pequena área, parceiro de Pelé nos anos 60 do Santos FC. Minhas fotos capturaram sua serenidade de artilheiro aposentado, mas com brilho ainda de menino.

Pepe, o Canhão da Vila, segundo maior artilheiro da história santista. Três retratos meus foram escolhidos para ilustrar a biografia “Pepe – A Cara do Santos”, relançada pela filha Gisa Macia em abril de 2025.


Neymar, o Príncipe que herdou o trono de Pelé. Entre dribles e sorrisos, registrei o momento em que passado e futuro do clube se reconhecem no mesmo rosto.


Enquanto o obturador ecoava, senti aquele menino de chuteiras gastas no asfalto sorrir dentro de mim. Percebi que a rota pode mudar, mas o destino insiste quando há amor no que faz. Eu não vesti a camisa 10, mas visto a luz que revela cada craque. Não levanto taças, mas ergo histórias que não cabem no placar.
Essas imagens não são apenas fotos; são documentos de patrimônio esportivo, criados com a mesma obsessão por luz e sombra que me faz estudar Caravaggio e Rembrandt. Cada clique meu transforma suor em arte — e, quando a sirene do estádio se cala, o que fica é a fotografia, firme como um troféu erguido pela memória coletiva.
O que aprendi — e divido com você
Se um “não” desviou sua rota, talvez seja o universo chamando para um drible mais criativo. Sonhos não acabam: eles mudam de posição em campo até encontrarem o espaço certo para receber a bola.
Eu não pedi para ser fotógrafo; o futebol pediu. Hoje, dedico‑me a contar histórias que o placar não conta, a celebrar ídolos e anônimos com a mesma reverência e, sobretudo, a provar que derrotas podem ser atalhos para destinos ainda maiores.
Com licença poética ― e santista ―, repito o hino que embala meu trabalho: “É um orgulho que nem todos podem ter.” Orgulho de transformar paixão em profissão, de ouvir o clique ecoar como gol e de carregar, na mochila, retratos que já fazem parte da história eterna do esporte.





